A Soma de Todas as Avarezas
Hoje é um dia de tristeza para todos os brasileiros, especialmente e de forma imensurável para
os familiares das mais de 230 vítimas da tragédia da casa noturna Kiss, de
Santa Maria - RS. O país está de luto. Mas é triste e preocupante também para todos aqueles que têm
filhos com idade entre 13 e 20 anos, que vão à baladas, festas, shows e outros
locais com concentração de pessoas.
Como arquiteto,
posso até me considerar especialista em segurança, pois já projetei mais de 20
casas noturnas, quase o mesmo tanto de shows, além de bares, restaurantes, e similares. Só em Mogi,
em algum momento projetei reformas de casas noturnas como Padang, The Opera,
Jive, Projeto N, e outros que não vou mencionar o nome, algumas festas e shows
no Clube de Campo, como o de Vanessa da Mata, diversos outros shows no
estacionamento do Mogi Shopping e da UMC e outros locais como os de Ivete
Sangalo, Jota Quest, Zezé de Camargo e Luciano, O Rappa, Arena 89 na Riviera de
São Lourenço, banda Calipso em Ferraz, Club Z em Moema, vários bares e
restaurantes em diversas cidades, na verdade, perdi a conta. A maioria desses
lugares comportavam de 200 à 20.000 pessoas, e cabia a mim projetar os Sistemas
de Segurança, ou seja, desde o básico como extintores e luzes de emergência até
dimensionar entrada e saída de público, hidrantes, brigadas de incêndio, etc.
E não foram poucos
os casos de proprietários, promoters ou de uma forma ou de outra, responsáveis
pelos estabelecimentos ou eventos me pedirem para colocar o mínimo possível de
equipamentos ou sistemas, para evitar despesas. Em contrapartida, diversos outros
também tinham uma forte preocupação com a segurança, conscientes que lidavam
com vidas humanas, e me pediam para que não deixasse de prever nenhum
equipamento que poderia ser útil em caso de emergência.Todos eles foram
analisados e aprovados pelo Corpo de Bombeiros e Prefeitura.
Hoje, ao ver as
notícias vindas de Santa Maria, repensei tudo o que eu já fiz e senti um frio
na espinha. Olha só o tamanho da responsabilidade que um arquiteto tem ao projetar
os sistemas de segurança em locais de grande concentração de público! E algumas
vezes o proprietário reluta em colocar portas em quantidade e tamanho adequados,
ou sistemas que reduzem os problemas em caso de tumulto. Tudo por pura avareza:
economizar nas instalações para aumentar o lucro. E, para eles, quanto mais
gente melhor! Mesmo que os banheiros sejam insuficientes e sejam imundos,
mesmo que para pagar uma bebida no balcão o consumidor tenha que entrar numa
enorme fila e se acotovelar para conseguir. Mesmo que derretam com o calor
insuportável do local, pelo excesso de pessoas. Isso sem contar a fila enorme
para pagar a comanda na saída, já que muitos deixam apenas 2 ou 3 caixas para
atender 500 ou 1.000 pessoas que saem praticamente ao mesmo tempo.
Como consumidor,
desde adolescente até pouco tempo atrás frequentei muitas e muitas casas
noturnas, e vi absurdos, ao olhar de alguém que entende do assunto: portas de
saídas de emergência trancadas com cadeados durante o funcionamento, luzes de
emergência que não funcionam, extintores de incêndio descarregados,
funcionários totalmente despreparados para controlar uma emergência. Nenhuma
preocupação com o conforto dos consumidores, muito menos com sua segurança.
Consideram “segurança” aqueles bruta-montes que separam brigas, dão umas
porradas e colocam as pessoas num quartinho prá se acalmar, ou que tomam conta
de portas de emergência para que ninguém passe sem pagar a comanda.
Hoje, com o
conhecimento que tenho, posso afirmar sem medo: pelo
menos 80% das casas noturnas, casas de shows, restaurantes, bares e outros locais de grande concentração de pessoas em Mogi NÃO TEM
DOCUMENTAÇÃO DA PREFEITURA, DOS BOMBEIROS E SISTEMAS ADEQUADOS DE SEGURANÇA! A maioria não tem o AVCB - Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros. Existem alguns endereços que são verdadeiras bombas-relógio, à beira de uma
tragédia, e a maioria das pessoas nem imagina o risco que estão correndo. Alguns deles não passam de pardieiros, cujo objetivo é vender refrigerante a
10 reais, uma dose de vodca a 20 reais e energético a 25, e deveriam ser interditados.
E a gente só se
liga nisso depois que acontece uma merda, como essa da Kiss, que deixou muitas
famílias sem seus filhos, só por que foram se divertir num local que parecia
seguro, que estavam acostumados à frequentar.
Na verdade, a
maioria das pessoas não se preocupa se o restaurante ou balada onde vão possuem
saídas de emergência, sinalização indicando as saídas e extintores funcionando. Isso é normal, a gente sempre acredita que, se está funcionando, está em ordem. Mas, na verdade, NINGUÉM se preocupa com isso, e nem mesmo a maioria dos proprietários, órgãos públicos e autoridades.
Alguns deles
chegam ao absurdo de emprestar extintores para a vistoria, e depois que
conseguem a documentação, os retira. Afinal, não existe fiscalização posterior!
Por isso, tragédias como essa da Kiss, infelizmente, acontecem. E podem
acontecer aqui também, em nossa cidade, com nossos filhos.
Um recado ao
prefeito Marco Bertaiolli: se for possível, forme uma tropa de elite, com
fiscais da prefeitura e se possível, com pessoal do Corpo de Bombeiros, e mande
fiscalizar TODOS OS ESTABELECIMENTOS QUE RECEBAM MAIS DE 100 PESSOAS. Casas noturnas, supermercados, shoppings, restaurantes, baladas, barzinhos, boates, puteiros, não importa. Se estiver
sem documentação, ou se os equipamentos de segurança não estiverem funcionando,
FECHE! Doa a quem doer. Se não está preparado para dar segurança e conforto ao
público, que se adapte. Ou vamos esperar acontecer outra tragédia, dessa vez em
nossa terra? Não precisamos correr esse risco, pessoas inteligentes aprendem
com o erro dos outros...
Como arquiteto,
prometo que vou continuar instruindo com mais firmeza os meus clientes para
escolher materiais anti-chamas, a instalar os equipamentos de combate à
incêndios (extintores, sinalização, sprinklers, detectores de fumaça,
hidrantes, escadas de segurança, portas dimensionadas para o máximo de público
previsto, e tudo mais que for necessário). Vou deixar claro para eles que esse
investimento é mais importante que a beleza do local, e muito mais barato que pagar
advogados ou até enfrentar uma cadeia. E caso se recusem a instalar, não
aceitarei o trabalho. E espero que outros arquitetos e engenheiros façam o mesmo, afinal, seremos co-responsáveis pela segurança.
Como membro da
comunidade, eleitor e pagador de impostos, vou cobrar fiscalização, vou denunciar cada item errado que eu
perceber, e vou tomar o cuidado de alertar as crianças, para que, quando for em
algum lugar desses, também observarem as saídas, e a qualquer sinal de
problemas, me liga que vou buscar!
Chega de mortes
desnecessárias!!!
O problema é que o tempo esmaece a memória, e mesmo depois de uma
blitz, dificilmente isso se tornará um costume.
Gil Nóbrega á arquiteto, urbanista, ex-presidente da Assoc. dos Engenheiros e Arquitetos, ex- Inspetor Chefe do CREA-SP, diretor da Associação Comercial e especializado em Arquitetura Comercial.
(autorizada a reprodução total ou parcial, desde que MENCIONE A FONTE, ok?)
Belo artigo e precisando de um engenheiro para somar e levantar essa bandeira que acabou de postar ponho-me a disposição! Carlos Lopes - engenheiro e esp. licenciamento ambiental.
ResponderExcluirCarlos Lopes, obrigado. Se cada um fizer sua parte, tudo melhora. E ainda esqueci de incluir ESCOLAS, HOSPITAIS, PRÉDIOS PÚBLICOS... a lista é grande!
ResponderExcluirAbs!